Monday, January 17, 2011

Cores desta (minha? outra?) cidade à beira-mar, contempladas a duas rodas e oito velocidades...



Tinha-me esquecido!

Apressei-me todo este tempo
por galerias de cores deformadas
que me levaram a lembrança.
Felizmente, agora,
encontro novamente o sossego
que forma a memória dessas cores
esquecidas na pressa da passagem
para este lugar.

Sunday, June 27, 2010



Encontrou-me há dias, de rabo assente numa caixa de cartão que se estendia debaixo da árvore que não dá mangas...

Disse-me que receberia os meus panos aos fins-de-semana...

E sorriu.

Saturday, May 22, 2010

Cansaço

Escrevo o que me dizes. Escrevo sempre, não páro.

Escrevo o que eles vão dizendo também, enquanto seguem o seu caminho.

De costas voltadas, seguem conversando num alegre silêncio que procuro entender. Onde irão?

Schhh! Espera! Não digas nada agora. Não consigo ouvir o entusiasmo deles, assim, se me falas com toda essa tristeza. Como vou poder escrever essa alegria, se não a oiço? Se o teu choro a abafa? Mas... seria alegria mesmo, ou apenas um cansaço não reclamado?

Tu, que dizes agora? Porque já não falas? Porque te calaste?
E eu, se já não os vejo... se já não te oiço... será que me perdi?
O caderno caiu-me das mãos. Estou cansada. Já não escrevo mais.

Tuesday, March 30, 2010

Por essa estrada...

Amigo

Maior que o pensamento

Por essa estrada amigo vem

Não percas tempo que o vento

É meu amigo também.

Em terras

Em todas as fronteiras

Seja bem vindo quem vier por bem

Se alguém houver que não queira

Trá-lo contigo também.

Aqueles que ficaram

(Em toda a parte todo o mundo tem)

Em sonhos me visitaram

(...)

Zeca Afonso

Medo



E uma delas fugiu, gritando: "Es i brabu!"

Tuesday, March 23, 2010

O sentido do caos


Sinto, não quero,

desencontro,

não existem, perto,

velha, silêncios, dinheiro,

nunca, desentende,

depois, sentimentos, gostava,

não vejo, afastando, futuro, primeiro,

tempo, não sei, vontade, mas sei, agora,

sentido, partilha, nova, assim...

Saturday, March 20, 2010

Tuesday, March 16, 2010

As mãos

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas de mãos.
E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
(Manuel Alegre)

Wednesday, March 3, 2010

Entretanto

Entre cá e lá...

Entre o antes e o agora, entre o caminho do mar ou o do Boé, entre um grito agudo ou suave, entre uma roupa que se veste ou que se despe, entre um suspiro de alívio ou um engolir de angústia, entre o sul ou o leste, entre o sair ou ficar, entre o som do aparelho de rádio ou o silêncio, entre o sumo de veludo ou de cabaceira, entre arriscar ou hesitar, entre subir ou descer, entre peixe ou galinha, entre arroz deste ou daquele.

Entre tanto e tão pouco, entre cá e lá...

Tempo passado


- Velhice, velhice! Morro de saudades tuas, apesar de nunca te ter conhecido...

- Devia ter-te contado tanta coisa! Porque não me fizeste todas as perguntas?

- Não tive tempo. Aquelas filas nunca mais acabavam, e passei nelas todos estes anos.

- Onde te levaram essas filas?

- Às respostas que perdi.

Monday, March 1, 2010


A suspeita sempre caminha adiante das risadas largas,
escondidas na rectaguarda,
prontas a serem lançadas
a qualquer momento
sobre essa dúvida vacilante...

Mudam-se os tempos, mudam-se os... frutos!

Se neste cesto se empoleirassem todas as minhas incertezas – tal como ontem se empoleiraram nas minhas mãos os primeiros galinácios que catrafilei – retiraria a cada caju a sua firme e confiante castanha e, deixando o fruto para futuros momentos de embriaguez, torra-la-ia de sucessos,
já antevistos por gentes destas paragens.
Benvindo, caju!

Depois de ti, a manga, já à espreita em cada esquina...

Wednesday, February 17, 2010

Formas

Seria assim a imagem traçada no quadrado com que me presenteaste aquela noite?
Tinha ao menos qualquer coisa de parecido, talvez?
Algo que se assemelhava a esta sensação?
Bom, não é exactamente quadrangular, eu sei.
Mas têm forma, as sensações?

Sunday, February 7, 2010

E?

E quando os pensamentos são segredos que se consomem, rasgam, queimam...
para se perderem depois?

O tempo...






Quase acreditei que vários meses tivessem passado num respirar suspenso,


Que as horas tivessem dado a volta àquela capelinha branca onde passava sempre que saía da praia pela tua mão,


E que, distraindo o bocejo que insistia em relevar-se no passar de todos esses minutos, quase amarrotando o teu vestido preto, os teus olhos grandes tivessem estado sempre aqui.


Tudo não passou, afinal, de uma silenciosa caminhada, vagarosamente doce...

Tuesday, July 14, 2009

Respiro o teu corpo...


Sabe a lua-de-água ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,

sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.



Eugénio de Andrade


Robert Doisneau, Kiss by the Hotel de Ville,1950

Saturday, June 20, 2009




"Se estou sozinho é num beco que me encontro

vou porta a porta perguntando a quem me viu

se ali morei, se eu era o mesmo e em que ponto

o meu desejo fez as malas e fugiu"




(Sérgio Godinho)

Friday, June 19, 2009

Amanhã há de ser outro dia...

Ó saudade do poeta-vendedor de amendoim torrado!

O som do meu tambor ecoa... ecoa pelo ar
E faz meu coração com emoção... pulsar!
Invade a alma... alucina
É vida, força e vibração! Vai meu Salgueiro... Salgueiro
Esquenta o couro da paixão
Ressoou da natureza... primitiva comunicação!
Da África... dos nossos ancestrais
Dos deuses... nos toques rituais
Nas civilizações... cultura
Arte, mito, crença e cura
Tem batuque... tem magia... tem axé!
O poder que contagia... quem tem fé!
Na ginga do corpo... emana alegria
Desperta toda energia!
No folclore a herança, no canto, na dança... É festa... é popular!
Seu ritmo encanta, envolve, levanta... E o povo quer dançar!
É de lata, é da comunidade
Batidas que fascinam
Esperança... social, transforma... ensina!
Ao mundo deu um toque especial
É show... é samba... é carnaval!
Vem no tambor da academia
Que a furiosa bateria... vai te arrepiar!
Repique, tamborim, surdo, caixa e pandeiro
Salve os mestres do Salgueiro

Acadêmicos do Salgueiro

O Coelho e o Tempo

O tempo anda mau por aqui, por estar cinzento mais do que o desejado e por correr demasiado depressa, sempre nu, sem chegar a lado nenhum e recebendo censuras nesse caminho entortado. O coelho, esse, era castanho como os outros, mas tinha uma cauda comprida em vez de um tufo redondinho de pelos fofos, que lhe atrapalhou a fuga. Escorregou, tropeçou, e olhou fixamente os meus pés por não conseguir elevar a fuça à altura dos meus olhos. Fixei a sua orelha direita, acocorei-me e surrurrei-lhe: "és bonito". Lembrei-me de como o tempo também tem cauda comprida, e escorrega e tropeça, sem a graciosidade do animal.

Parece que os ingleses têm algo contra as cabeças dos peixes...



Que diriam desta beleza carioca de lábios sedutores?

Thursday, June 18, 2009

Livros

Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
(...)
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.

(Caetano Veloso)

Monday, June 8, 2009

Gavetas de lembranças com cabos eléctricos

Tenho saudades do meu WC de azulejos azuis e brancos.
Do sol, da esplanada, da cerveja barata, do marisco à beira mar, de ir jantar fora, do vinho à pressão.
Dos barcos a acenarem-me à janela.
Das velhas às suas portas.
De apanhar o metro pela manhã.
De um almoço barato na tasca.
Das sarjetas entupidas quando chove.
Das filas para pagar.
Dos nomes das freguesias.
De um electricista e dos senhores dos arranjos.
Da fachada encarnada dos correios.
Dos festivais.
De andar de carro.
E dos encontros secretos.
Conseguirão as minhas memórias subir a escadaria de um espaço
que se entorta para a direita?
Conseguirão ainda virar à esquerda na ruela certa?
Ou ficarão arquivadas nas gavetas?
...

Sunday, May 17, 2009

Ao calçar o pôr-do-sol...

Curvou-se para aconchegar no pé o sapato que com tanto cuidado acabaras de lavar. Forçou o pescoço, entortou uma qualquer parte do ombro e, julgando ter desmanchado algum pequeno osso, afrouxou os pensamentos.

Desapertou as lembranças que lhe estrangulavam o gargalo entortado, e levou-as até ao café central, que agora é pizzeria, decerto com “a” em lugar do “e”. Tempo de peixe, esse, onde ainda recentemente se saborearam memórias.

Mas… espera! Parece-me que uma outra voz mais longínqua quer também reclamar a sua dita!
Ah, sim, é a bisteca que te sorriu da ‘Galleria’, em dia de notas soltas por um famoso violino.

E…

E se o desviasses do caminho, contando-lhe histórias de reis que o levavam ao café? E se de cada vez que te acompanhasse nesse desvio o presenteasses com mais um apagador para a colecção?

Os seus sapatos continuam limpinhos, agora que os conseguiu ajeitar.

Mas no meu sonho eram sandálias de luz, que me fugiam do pé à devida velocidade. Eram feitas de pôr-do-sol, as minhas sandálias. E queimavam-me os pés, como as memórias.

Tons alaranjados flutuavam abaixo, e deixei-me subitamente tombar neles. Hmmm… como eram macios!

Alguém lhe tocou ao de leve no ombro que já não se sentia queixoso. Voltei-me, depois da queda amortecida, mas já não vimos ninguém…

Saturday, May 16, 2009

"O sol nasce todo dia"

"Um movimento inesperado no decorrer da madrugada,
E foi ficando assim de gente.
Uma legião de acordados com os olhos no horizonte.
O que se passa? O que que é isso? (...)
Vai ver que tem alguma coisa que se move,
Uma nave ou um ovni,
Alguma coisa (...)
Ou esperam uma mensagem
Ou estão todos de bobeira.
Mas é intrigante,
Contagiante.
É tanta gente com os olhos no oriente e no clarão que já desponta.
E de repente...
É uma bola que levanta no horizonte,
Numa fogueira exuberante.
Enfim, é o sol!

E eis a multidão extasiada, olhando o céu
com cara de espanto e gritando: Nasceu o sol! Nasceu o sol! Nasceu o sol! Nasceu o sol!
É claro! O sol nasce todo dia..."
(Luiz Tatit)
http://www.deezer.com/track/no-decorrer-da-madrugada-T1615161

A beleza do poeta...

"Quando fiz de tudo poesia
Pra dizer o que eu sentia
Fui mostrar...
Ela não me ouvia.
E mesmo insistindo todo dia
Era inútil
Não me ouvia...
Sofia! Sofia!
Não ouvia.
Sofia, eu estou falando com você
Pára um pouco
Vamos lá fora
Eu leio e vou embora
Ou então aqui mesmo
Te leio no ouvido
Se você não entender
A gente soletra, interpreta
Etc, etc, etc...
Nada, nada, nada, só pulava
Não ouvia uma palavra..."
(Luiz Tatit)