Sunday, May 17, 2009

Ao calçar o pôr-do-sol...

Curvou-se para aconchegar no pé o sapato que com tanto cuidado acabaras de lavar. Forçou o pescoço, entortou uma qualquer parte do ombro e, julgando ter desmanchado algum pequeno osso, afrouxou os pensamentos.

Desapertou as lembranças que lhe estrangulavam o gargalo entortado, e levou-as até ao café central, que agora é pizzeria, decerto com “a” em lugar do “e”. Tempo de peixe, esse, onde ainda recentemente se saborearam memórias.

Mas… espera! Parece-me que uma outra voz mais longínqua quer também reclamar a sua dita!
Ah, sim, é a bisteca que te sorriu da ‘Galleria’, em dia de notas soltas por um famoso violino.

E…

E se o desviasses do caminho, contando-lhe histórias de reis que o levavam ao café? E se de cada vez que te acompanhasse nesse desvio o presenteasses com mais um apagador para a colecção?

Os seus sapatos continuam limpinhos, agora que os conseguiu ajeitar.

Mas no meu sonho eram sandálias de luz, que me fugiam do pé à devida velocidade. Eram feitas de pôr-do-sol, as minhas sandálias. E queimavam-me os pés, como as memórias.

Tons alaranjados flutuavam abaixo, e deixei-me subitamente tombar neles. Hmmm… como eram macios!

Alguém lhe tocou ao de leve no ombro que já não se sentia queixoso. Voltei-me, depois da queda amortecida, mas já não vimos ninguém…

Saturday, May 16, 2009

"O sol nasce todo dia"

"Um movimento inesperado no decorrer da madrugada,
E foi ficando assim de gente.
Uma legião de acordados com os olhos no horizonte.
O que se passa? O que que é isso? (...)
Vai ver que tem alguma coisa que se move,
Uma nave ou um ovni,
Alguma coisa (...)
Ou esperam uma mensagem
Ou estão todos de bobeira.
Mas é intrigante,
Contagiante.
É tanta gente com os olhos no oriente e no clarão que já desponta.
E de repente...
É uma bola que levanta no horizonte,
Numa fogueira exuberante.
Enfim, é o sol!

E eis a multidão extasiada, olhando o céu
com cara de espanto e gritando: Nasceu o sol! Nasceu o sol! Nasceu o sol! Nasceu o sol!
É claro! O sol nasce todo dia..."
(Luiz Tatit)
http://www.deezer.com/track/no-decorrer-da-madrugada-T1615161

A beleza do poeta...

"Quando fiz de tudo poesia
Pra dizer o que eu sentia
Fui mostrar...
Ela não me ouvia.
E mesmo insistindo todo dia
Era inútil
Não me ouvia...
Sofia! Sofia!
Não ouvia.
Sofia, eu estou falando com você
Pára um pouco
Vamos lá fora
Eu leio e vou embora
Ou então aqui mesmo
Te leio no ouvido
Se você não entender
A gente soletra, interpreta
Etc, etc, etc...
Nada, nada, nada, só pulava
Não ouvia uma palavra..."
(Luiz Tatit)

Friday, May 15, 2009

Sensations...

"No one ever told me that grief felt so like fear. I am not afraid, but the sensation
is like being afraid. The same fluttering in the stomach, the same restlessness, the yawning. I keep on swallowing.
At other times it feels like being
mildly drunk, or concussed.
There is a sort of invisible blanket between the world and me.
I find it hard to take in what anyone says.
Or perhaps, hard to want to take it in.
It is so uninteresting.
Yet I want the others to be about me.
I dread the moments when the house is empty. If only they would talk to one another and not to me…”
(C. S. Lewis)

Thursday, May 14, 2009

Meias de amor ao sol


Deixando as meias ensopadas de amor a enxugar ao sol,

correu descalça pela casa,

desocultando os braços que se alongavam

na minha direcção,

e cujos gestos pareciam oferecer-me flores,

fazendo lembrar esse sentimento robusto,

outrora evaporado pela radiação quente,

mas entretanto reencontrado nesse mesmo calor reconfortante.


Wednesday, May 13, 2009

Saudade...

Praia da Calada, Ericeira @ 5 Maio 2009
"En voyage sur les océans, poussé par les vents,
Capitaine Branbranche passera souvent par la Manche,
tout près de toi"
(Pascal)

Depois melhora...

"Sempre que alguém daqui vai embora
dói bastante, mas depois melhora

e com o tempo vira um sentimento que nem sempre aflora,
mas que fica na memória.
Depois vira um sofrimento que corrói tudo por dentro, que penetra no organismo, que devora,
mas depois também melhora.
Sempre que alguém daqui vai embora
dói bastante, mas depois melhora
e com o tempo torna-se um tormento que castiga, deteriora,
feito ave predatória.
Depois vira um instrumento de martírio duro e lento, uma queda num abismo,
que apavora, mas depois também melhora.



E vira então uma força inexplicável
que deixa todo mundo mais amável.
Um pouco é consequência da saudade,
um pouco é que voltou a felicidade,
um pouco é que também já era hora,
um pouco é pra ninguém mais ir embora.
Vira uma esperança,
cresce de um jeito que a gente até balança,
enfim.
Às vezes dói bastante,
mas melhora,
enfim.
É só felicidade,
aqui agora.
É bom,
é bom não falar muito que piora.
Enfim, é só felicidade".
(Luiz Tatit)

http://www.deezer.com/track/depois-melhora-T1615175