Aquela cena bucólica e feliz prolongou-se por algum tempo, mas o Deus não tinha vontade de sair dali.
De repente, um vento gélido fez-se sentir. Os meninos aperceberam-se disso, mas não ligaram grande importância, tão entretidos que estavam com os seus brinquedos. Mas Epimeteu compreendeu, o Deus dos ventos mandava-lhe um aviso, um perigo aproximava-se. O perigo era um lobo, um animal de grande estatura, mas elegante, que se deslocava lentamente, sem se tentar esconder. O rapaz foi o primeiro que o viu, o seu rosto empalideceu e ficou estático, incapaz de reagir, apertando fortemente o braço da irmã que o olhou espantada até que percebeu. Não mostrou, no entanto, medo, no seu rosto infantil lia-se apenas surpresa. Olhou para a fera com confiança e sorriu. O lobo não mostrava nem medo nem atitude hostil. Então Epimeteu, que já o tinha reconhecido, olhou para ele e ficou estupefacto, o seu olhar que tanto o tinha atemorizado quando, feito lobo, o encarara pela primeira vez, mostrava agora doçura e nele se descortinava uma chama envolvente de amizade. Epimeteu não teve nenhuma dificuldade em o perceber porque os deuses, tendo feito os homens à sua imagem, possuíam sentimentos humanos e não precisavam da caixa dos milagres para se humanizarem.
Então, Epimeteu percebeu que não necessitava de perguntar coisa alguma a Zeus porque finalmente compreendera. Compreendera que o olhar do lobo fora sempre o mesmo, terrífico ou carinhoso, a diferença não vinha dele, mas sim de quem o observava" (...)
'A Lenda do Lobinho Bom', Pedro Abranches
Revista da Ordem dos Médicos nº 57, Maio 2005
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